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A publicitação dos ajustes diretos simplificados – a perpetuada tendência de se querer controlar na foz aquilo que se deve controlar na fonte
Imprensa
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in Advocatus
14 out 2025

A publicitação dos ajustes diretos simplificados – a perpetuada tendência de se querer controlar na foz aquilo que se deve controlar na fonte

A publicitação dos ajustes diretos simplificados – a perpetuada tendência de se querer controlar na foz aquilo que se deve controlar na fonte

A Administração Pública atua sob a observância de procedimentos, na medida em que são previstas regras tendentes à prossecução do interesse público. No caso dos contratos tendentes à compra de bens e serviços e no caso das empreitadas de obras públicas, essas regras estão dispostas não só no Código dos Contratos Públicos, mas também em variadíssimos diplomas legais que dispõem do íter procedimental necessário ao cumprimento dos princípios que regem a atuação da Administração em sentido lato, mormente o princípio da legalidade.

Para o que ora releva, cumpre explicar que as compras de baixo valor efetuadas por estas entidades podem ser mais céleres e simplificadas, já que não observam – porque legalmente dispensadas disso – as exigências formais que imperam em compras públicas de valores mais significativos. É o caso dos ajustes diretos simplificados.

Note-se que o Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), no seu n.º 3 do artigo 128.º prevê um regime simplificado de ajuste direto, que, por via do seu valor, permite à entidade adjudicante optar por um procedimento menos exigente, dispensando-o de quaisquer outras formalidades previstas no mencionado diploma legal, incluindo as relativas à celebração do contrato, à publicitação prevista no artigo 465.º e à designação do gestor do contrato previsto no artigo 290.º-A, assim como do regime de faturação eletrónica.

Pois bem, a publicação do Regulamento n.º 1000/2025, de 18 de agosto, veio introduzir uma alteração profunda no regime aplicável aos ajustes diretos simplificados, no sentido de prever, (i) no caso dos ajustes diretos simplificados celebrados ao abrigo do artigo 128.º do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), que os contratos daí resultantes devem ser registados no Portal BASE, para recolha de informação estatística, (ii) e nos casos do ajustes diretos simplificados celebrados no âmbito da Lei n.º30/2021, prevendo que os contratos daí resultantes devem ser objeto de registo e publicitação, como condição de eficácia do contrato.

Esta inovação normativa, à primeira vista inspirada por uma lógica de racionalização e sistematização da informação relativa aos ajustes diretos simplificados, suscita, contudo, questões que, com certeza, trarão um profundo impacto prático no quotidiano dos serviços públicos, bem como nas pessoas que os integram e que os fazem ser o primeiro recurso tendente à satisfação das necessidades das populações.

Bem sabemos que a Administração Pública conta com profissionais competentes, mas que existem, claramente, em número reduzido àqueles que seriam efetivamente necessários para o cumprimento do interesse público subjacente à sua atividade.

A obrigação regulamentar de, a partir de 1 de outubro, as entidades adjudicantes terem de registar todos os contratos decorrentes dos ajustes diretos simplificados celebrados ao abrigo do artigo 128.º do CCP no Portal Base e, pior ainda, terem de publicitar – sob pena de ineficácia do contrato – os ajustes diretos simplificados decorrentes da utilização das medidas especiais de contratação pública respalda a perpetuada tendência (errada, diga-se) de se querer controlar na foz aquilo que se deveria controlar na fonte.

Com este regime pretende-se – diga-se a verdade – proceder a um controlo dos ajustes diretos simplificados encetados pelas entidades públicas, pois o seu número significativo é reflexo de uma falta de planeamento das compras públicas.

A falta de planeamento é motivada pela constante urgência em adquirir bens ou serviços, ou em fazer novas construções, na medida em que não se planifica um crescimento sustentado e não se efetua uma boa gestão da despesa pública, as mais das vezes pelo circunstancialismo fático experienciado pelas entidades adjudicantes.

Com as obrigações que decorrem do Regulamento n.º 1000/2025, de 18 de agosto, está, portanto, a tentar-se controlar o maior flagelo da Contratação Pública pela via reativa, quando a preocupação deveria ser dotar os serviços públicos de formas de pensar e de mecanismos que atuassem preventivamente e promovessem o planeamento das compras pública.

Esta atuação não servirá de forma profícua a aplicação do Direito dos Contratos Públicos, já que a circunstância de as entidades fiscalizadoras estarem, a partir de 1 de outubro, dotadas de mais meios (e quiçá razões) para levantar (ainda mais) responsabilidades aos órgãos competentes para a decisão de contratar não cumpre o desiderato – praticamente ancestral à data da criação do CCP – de incutir nesses mesmos órgãos decisórios os mecanismos tendentes ao cenário ótimo da Contratação Pública: a existência de um planeamento na agregação de necessidades que fundamenta os procedimentos pré-contratuais que se tramitam.

Caso para dizer: vamos indo, vamos vendo. Mas este não é o caminho.