Nesta tensão permanente (e legítima, diga-se sem grandes dramas) entre os contribuintes e a Autoridade Tributária (AT), sempre se viveu pacificamente na ideia de que nem uns nem outros hão de viver na dúvida eterna.
Pois se é verdade que a AT pode visitar os contribuintes e promover correções nas suas declarações e liquidações de imposto, também é verdade que esse poder tem um limite, que o legislador escolheu fixar, em termos gerais, em 4 anos (ainda que este prazo conheça tergiversações, exceções, interrupções e suspensões).
A cada virar de ano o suspiro era justificado. Fosse qual fosse o resultado, os impostos apurados há 4 anos (por iniciativa dos contribuintes ou da AT) vergava-se à desejada «segurança jurídica», deixando de estar à mercê de correções e de liquidações oficiosas.
Com o dealbar, qual «furacão», das operações pomposas (suspeito que a ideia de dar nomes às tempestades nasceu nos DIAP’s e Direções de Finanças da AT) aquela velha ideia de segurança jurídica (representada, em linguagem técnica, pela caducidade do direito à liquidação e, bem assim, pela prescrição) começou a ser um mero ideal e não tanto um limite ou condicionamento. Para a AT (agora sob a veste de órgão de polícia criminal) a arrecadação de impostos ganhou um novo horizonte, quase a perder de vista, e sem especiais formalidades a cumprir.
Onde, tradicionalmente, se impunha um procedimento de inspeção, um Relatório precedido de audição do contribuinte, uma liquidação com prazo de pagamento e direito a impugnação (tudo no prazo máximo de 4 anos a contar dos factos), passou a bastar uma mera indiciação, tantas vezes insondável e impercetível, convocando «factos» e «fundamentos» perdidos na memória de mais de 8, 9, 10 anos, e sempre travestidos de crime e de ameaça. Se do plano fizer ainda parte uma busca (por vezes repetida e absolutamente inócua) «inadvertidamente» mediatizada, está montado o caldo a que nenhum contribuinte se conseguirá opor. Seja «verdade» ou seja um «equívoco», a narrativa impõe-se, com todos os pormenores e qualificativos, e aquela velha segurança jurídica, afinal, não é para aqui (para a relação contribuinte / AT) chamada.
O que nos trouxe o aludido Acórdão do Supremo Tribunal Espanhol? Em jeito de tradução livre, isolo duas ideias muito simples.
A primeira: a de que admitir a ação da AT mesmo para além do período legal que limita o exercício do seu poder de verificação, investigação e sanção é um exemplo paradigmático de violação de princípios constitucionais e direitos fundamentais, como sejam os princípios da legalidade, da segurança jurídica e, evidentemente, do direito a um julgamento com todas as garantias.
A segunda: a de que as normas destinadas a estabelecer os pressupostos de legitimidade da atividade administrativa de inquérito, verificação e exigibilidade do cumprimento de uma dívida fiscal não podem ser interpretadas com uma flexibilidade tal que permita reforçar o poder sancionatório para além do período que o legislador pretendeu expressamente conferir à Administração Fiscal.